O silêncio do inocente
Vamos por partes.
Como fazemos todos os anos, lá vamos em caravana rumo a Lisboa para assistir ao Benfica. É um ritual, um dado adquirido, um cliché, não se discute. Vamos e prontos.
Depois da época passada e de tantas histórias que contámos, dos jogos que fomos ver, das emoções que vivemos, dos pulos que demos, das vezes que gritámos golo, seria natural que para este primeiro jogo desta época, além do grupo habitual, se juntasse a nós mais alguns elementos.
Sempre que vou a qualquer jogo, admiro as centenas de adeptos que pacientemente "engolem" kilometros em autocarros apinhados, lentos e com aquele "carimbo" colado de algo que é tipicamente português. Quando vejo um autocarro de adeptos, imagino a toalha de xadrez, o presunto, o queijo, o soquete branco e o clássico garrafão de tinto. Não é que não goste de uma fatia fina de presunto, ou de queijo amanteigado em pão fresco, ou até um vinho tinto do Dão ou Alentejo. Gosto. Admito que a meia branca não é o meu género. Mas se gosto do resto, qual é o problema?
O problema é ter que partilhar tudo isso, num rectângulo com rodas.
Mas admiro quem o faz. Admiro, mas desabafo em silêncio: " A mim é que não me apanhavam lá".
Tantas histórias contámos da época passada, que para este primeiro jogo se juntou a nós um número significativo de elementos, o suficiente para se achar que o melhor mesmo era alugar um autocarro.
Dito, feito.
Hora combinada de partida, 13:45.
Até fui pontual. 13:44h já lá estava, não fosse perder a oportunidade de escolher um lugar.
Depressa aprendi que nos autocarros não se escolhem os melhores lugares. Todos os lugares são maus.
Ás 13:58h, depois de uma recontagem dos elementos, verificou-se que faltava um.
(Pausa)
Já alguma vez vos aconteceu, assistirem ao vivo a uma imagem que só a tenham vislumbrado mentalmente?
14:07 - Lá apareceu o elemento que faltava. Trazia um garrafão de vinho. Alguém lhe chamou "máquina fotográfica".
Nos segundos seguintes não me lembro do que se passou, porque tardei a recuperar do choque do "garrafão".
O autocarro tinha sido alugado por um amigo de um amigo de outro amigo a uma associação desportiva. Não era portanto um autocarro muito grande. Era dos mais pequenos, com um ar moderno e até tenho que dizer, que não era muito feio. Tirando o facto de dizer em letras garrafais " GRUPO DESPORTIVO E RECREATIVO DE blá blá blá".
E lá arrancou, passavam 25 minutos da hora marcada.
Com o nosso grupo, somos uns 8 ou 9, em andamento, lá pensei :
- " Bem, está cá a malta. Isto não deve ser assim tão mau"
À minha frente, um senhor coloca o casaco nas costas do banco. Com todo um autocarro para meter o casaco, foi coloca-lo nas costas do banco dele, portanto, eu tinha um acessório que mais ninguém tinha : uma manta a tapar-me.
Com as janelas do veiculo abertas a sensação de velocidade é o equivalente a um foguetão. Não passa disso, de uma sensação. Um amigo meu, mais conhecedor de equipamento daquele tipo, avisa-me que um aparelho que está à frente se chama "limitador". E porque raio, um autocarro necessita de um limitador de velocidade?
Imaginem um deserto. Imaginem alguém cheio de sede, perdido num deserto, durante dias e que a determinada altura encontra uma indicação : " Próxima torneira a 18000 km".
O limitador tinha esse efeito em mim. O limitador indicava a velocidade do momento e passados alguns instantes a desafiar o limitador com um olhar mortal, reparei que o mesmo não indicava mais de 100 km/h.
Tentava convencer-me que também não era assim tão mau e que o facto de fazer aquele trajecto, que já fiz 1000 vezes, a 100 km/h em vez dos habituais 200 km/h, era bom, porque podia ver detalhes da paisagem e quem sabe, até algo que ainda não tivesse visto. Boa ideia.
O melhor mesmo é deitar o assento e relaxar.
Como? O assento não deita? nem ligeiramente? Mas está a 90º.
Depois de estar quase com a coluna desfeita, resolvi levantar-me. Quase podia jurar que já devíamos ter feitos uns 150 km. Devia estar, portanto, quase a meio caminho.
Nada disso. Estávamos a uns 30 km do ponto de partida.
- Ah pois ... o limitador!
E lá estava Eu, a olhar para a estrada e a ver, penosamente que, todos os veículos que circulavam eram mais rápidos que nós. Menos um ou dois camiões carregados que nós, orgulhosamente, ultrapassávamos.
Entreti-me a enviar sms's para malta que não foi ao jogo.
Desabafos meus do estilo : " sou uma besta".
Por falar em besta, não há muitas variedades de temas para se falar. As opções do Fernando Santos dominavam o "prime-time" da viagem.
Quando não se falava de futebol, era do tempo. Alguém disse :
- "Vamos ganhar. Até S.Pedro ajudou no tempo. Está Sol e faz calor".
Realmente. A travessia do Alentejo e o Sol em plena tarde apertam.
- Olhe, se faz favor, ligue o ar condicionado.
- Anh?
- Não têm?
Há nos autocarros uns pequenos martelos que servem para partir os vidros em caso de acidente. Juro que procurei um.
Mas o que é que podia fazer?
Nada. Aguenta.
Já na A1, resolveram fazer uma paragem.
Ao chegar à área de serviço, ao passar em frente a adeptos que já lá estavam, reparei como alguns olhavam para nós.
Exactamente da mesma forma que Eu, noutras alturas, olhei.
Naquela altura, o Jogo já não era a minha única preocupação: o regresso preocupava-me.
Comprei uma água e seguimos caminho.
Entrada de Lisboa.
Quando achas que tudo vai mal, há sempre algo que te mostra que ainda pode ser pior.
Apesar da falta de ar condicionado, o facto de o veiculo se movimentar, faz com que pelo menos entre Ar. Ora como é hábito, ás 6 da tarde a 2ª circular têm um trânsito infernal.
Um dos meus filmes favoritos é " A Lista de Schindler". Nesse filme, a certa altura, centenas de judeus são colocados em vagões e Óscar Schindler rega os vagões com uma mangueira, para que os Judeus se refresquem.
Parado na 2ª circular, com o sentido de humor de uma hiena, tapado pelo casaco do homem da frente, sem água e com a testa colada ao vidro, obviamente pensei : " - Se fosses à merda , Schindler".
Catedral à vista
Deus existe. Vejo o estádio da Luz.
Esboço um sorriso.
Agora o condutor deixa-nos perto da estádio e vai estacionar o autocarro.
- Não?
- Ele também vai ao jogo e assim ficamos todos juntos.
- Mau. Acontece que esta merda é um autocarro e a esta hora não há lugar para uma bicicleta quanto mais para um autocarro. Porque é que temos todos que morrer de calor quando o homem se podia desenrascar muito bem sozinho? Já ficávamos aqui.
- Óh homem, saímos todos juntos até porque temos aqui lanche.
- Temos quê? Mas que lanche?
- Pasteis de bacalhau, vinho e mais algumas coisas.
Não vi razão para ter que maltratar alguém. Esperei pacientemente que estacionasse "aquilo" e fui-me embora, sem lanche claro.
Claro que demoraram tanto a estacionar que não me restava muito tempo para cumprir a série de rituais que tanto gosto de fazer cada vez que vou à Catedral.
Estava o nosso grupo reunido e vamos entrar. Vamos ver o Benfica.
Acabou o jogo e fico sentado no meu lugar a olhar para um palerma que decidiu dividir com vários outros palermas uma merda de um guardanapo para acenar ao Fernando Santos.
Fiquei ali uns minutos.
É bonito o meu estádio. Sinto-me bem lá. Adoro aquela paz.
Na verdade, estava a ganhar forças para a viagem de regresso.
Tenho uma fome descomunal.
- Vamos ter todos ao autocarro e já combinamos o que vamos fazer
- Ok. ( que remédio )
Lá estávamos todos outra vez. Por meio de insultos ao Fernando Santos, confesso que naquela altura a minha preocupação era o regresso e a fome que tinha. Como o ambiente estava pesado resolvi alegrar o momento.
- Bem, vamo-nos vingar no prato. Uma refeição quente. Onde é que jantamos?
- Jantar? Temos aqui o lanche e se vamos todos jantar, a que horas acha que vamos chegar?
- ….. !
Ok, comi dois pasteis de bacalhau e tive que cortar presunto. Mas a refeição quente não me saiu da cabeça.
Entramos no autocarro.
Aos empurrões, entrei de forma a sentar-me primeiro que o homem da frente, o tal do casaco. Assim, quando ele chegou eu estava debruçado no encosto da cadeira dele o que não lhe permitiu colocar lá o casaco.
- YESSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS. 1-0
… ou melhor 1 – 15.
Pouco depois de ter-mos arrancado, resolveram que devíamos parar em Aveiras.
Boa ideia. Prato quente, finalmente.
Coloquei-me na fila do restaurante ( self-service) , onde estavam a servir uma carne assada, fumegante com arroz solto e brócolos. Que maravilha.
Quase a chegar a minha vez de ser servido, uma cabra repara em mim:
- Olhe lá, o senhor faz parte da excursão?
- Que excursão?
- É que estes senhores estão aqui à espera há mais de uma hora e encomendaram as refeições para eles. O senhor não pode chegar aqui e comer uma refeição que não foi encomendada por si.
- Oi?
- Não ouviu? Pode comer o que faz parte do buffet.
- Qual buffet? Os pasteis com ar de terem 15 dias e as sandes de panados?
- Não gosta, não come.
- Pois não, não como. Você deve ser lagarta, com essa simpatia.
- Estes gajos das claques. Deviam ser proibidas.
- Qual claque?
- SEGUINTE!
Amuado, fui à área de serviço e comprei uma 7Up e um Magnum. Não era bem a ideia que tinha de refeição quente, mas também já não tinha grande apetite.
De volta ao autocarro, restava-me tentar dormir até casa. Tarefa complicada com um banco a 90º.
Ainda assim, encostei a cabeça ao vidro e fechei os olhos … até que ….
“…não sei quê PUMP IT UP, YOU GOT TO PUMP IT UP …”
“- Óh Xôr Condutor, podia baixar a música sff?”
Tinha a música tão “baixa” quem nem me ouviu. Passado uns tempos lá baixou, mas não o suficiente para que não desse conta que o CD estava em repeat e os próximos 300 e tal kilometros iam ser feitos ao som do “Dance Power”.
Apesar de ter ganho a batalha “do casaco do homem”, perdi a batalha da “coluna de som por cima da minha cabeça”. Cada batida soava a uma martelada, mesmo assim adormeci.
Adormeci, mas pararam logo na estação de serviço seguinte. Para abastecer o autocarro.
Nem me atrevi a perguntar porque raios não o fizeram na estação de serviço anterior.
Aproveitei para ir comer mais qualquer coisa. Um sumo, uma água e um pacote de bolachas.
- Têm cartão de pontos?
- Não. Mas não meti combustível, é só isto.
- Não quer cartão pontos?
- Não. Só quero pagar isto.
- Só têm que preencher isto e dentro de dias recebe em sua casa ….
- Não obrigado. Só quero pagar e ir para o autocarro.
- Ahhh, é de uma excursão? Ahh …
- ….!
De volta ao autocarro, com sono e ainda a pensar na refeição quente que não tive.
Entrada triunfal no Autocarro, primeiro passo : “…não sei quê PUMP IT UP, YOU GOT TO PUMP IT UP …”
Lá fui para o meu lugar onde o homem da frente não tinha perdido tempo e tinha recolocado o seu belo casaco a cheirar a naftalina nas costas do assento.
Rendido, vencido, agastado, cansado, acabei por adormecer perto de Abrantes a cerca de 180 km de casa.
O autocarro estacionou ás 03:00h.
Fui para casa com a nítida sensação que a derrota do Benfica foi um mal menor.
À porta de casa reparei que tinha apenas 3 horas para dormir, melhor ainda, reparei que não tinha chaves.
Lindo.
Bem-vindo a casa.
Como fazemos todos os anos, lá vamos em caravana rumo a Lisboa para assistir ao Benfica. É um ritual, um dado adquirido, um cliché, não se discute. Vamos e prontos.
Depois da época passada e de tantas histórias que contámos, dos jogos que fomos ver, das emoções que vivemos, dos pulos que demos, das vezes que gritámos golo, seria natural que para este primeiro jogo desta época, além do grupo habitual, se juntasse a nós mais alguns elementos.
Sempre que vou a qualquer jogo, admiro as centenas de adeptos que pacientemente "engolem" kilometros em autocarros apinhados, lentos e com aquele "carimbo" colado de algo que é tipicamente português. Quando vejo um autocarro de adeptos, imagino a toalha de xadrez, o presunto, o queijo, o soquete branco e o clássico garrafão de tinto. Não é que não goste de uma fatia fina de presunto, ou de queijo amanteigado em pão fresco, ou até um vinho tinto do Dão ou Alentejo. Gosto. Admito que a meia branca não é o meu género. Mas se gosto do resto, qual é o problema?
O problema é ter que partilhar tudo isso, num rectângulo com rodas.
Mas admiro quem o faz. Admiro, mas desabafo em silêncio: " A mim é que não me apanhavam lá".
Pois não. Até ontem.
Tantas histórias contámos da época passada, que para este primeiro jogo se juntou a nós um número significativo de elementos, o suficiente para se achar que o melhor mesmo era alugar um autocarro.
Dito, feito.
Hora combinada de partida, 13:45.
Até fui pontual. 13:44h já lá estava, não fosse perder a oportunidade de escolher um lugar.
Depressa aprendi que nos autocarros não se escolhem os melhores lugares. Todos os lugares são maus.
Ás 13:58h, depois de uma recontagem dos elementos, verificou-se que faltava um.
(Pausa)
Já alguma vez vos aconteceu, assistirem ao vivo a uma imagem que só a tenham vislumbrado mentalmente?
14:07 - Lá apareceu o elemento que faltava. Trazia um garrafão de vinho. Alguém lhe chamou "máquina fotográfica".
Nos segundos seguintes não me lembro do que se passou, porque tardei a recuperar do choque do "garrafão".
O autocarro tinha sido alugado por um amigo de um amigo de outro amigo a uma associação desportiva. Não era portanto um autocarro muito grande. Era dos mais pequenos, com um ar moderno e até tenho que dizer, que não era muito feio. Tirando o facto de dizer em letras garrafais " GRUPO DESPORTIVO E RECREATIVO DE blá blá blá".
E lá arrancou, passavam 25 minutos da hora marcada.
Com o nosso grupo, somos uns 8 ou 9, em andamento, lá pensei :
- " Bem, está cá a malta. Isto não deve ser assim tão mau"
À minha frente, um senhor coloca o casaco nas costas do banco. Com todo um autocarro para meter o casaco, foi coloca-lo nas costas do banco dele, portanto, eu tinha um acessório que mais ninguém tinha : uma manta a tapar-me.
Com as janelas do veiculo abertas a sensação de velocidade é o equivalente a um foguetão. Não passa disso, de uma sensação. Um amigo meu, mais conhecedor de equipamento daquele tipo, avisa-me que um aparelho que está à frente se chama "limitador". E porque raio, um autocarro necessita de um limitador de velocidade?
Imaginem um deserto. Imaginem alguém cheio de sede, perdido num deserto, durante dias e que a determinada altura encontra uma indicação : " Próxima torneira a 18000 km".
O limitador tinha esse efeito em mim. O limitador indicava a velocidade do momento e passados alguns instantes a desafiar o limitador com um olhar mortal, reparei que o mesmo não indicava mais de 100 km/h.
Tentava convencer-me que também não era assim tão mau e que o facto de fazer aquele trajecto, que já fiz 1000 vezes, a 100 km/h em vez dos habituais 200 km/h, era bom, porque podia ver detalhes da paisagem e quem sabe, até algo que ainda não tivesse visto. Boa ideia.
O melhor mesmo é deitar o assento e relaxar.
Como? O assento não deita? nem ligeiramente? Mas está a 90º.
Depois de estar quase com a coluna desfeita, resolvi levantar-me. Quase podia jurar que já devíamos ter feitos uns 150 km. Devia estar, portanto, quase a meio caminho.
Nada disso. Estávamos a uns 30 km do ponto de partida.
- Ah pois ... o limitador!
E lá estava Eu, a olhar para a estrada e a ver, penosamente que, todos os veículos que circulavam eram mais rápidos que nós. Menos um ou dois camiões carregados que nós, orgulhosamente, ultrapassávamos.
Entreti-me a enviar sms's para malta que não foi ao jogo.
Desabafos meus do estilo : " sou uma besta".
Por falar em besta, não há muitas variedades de temas para se falar. As opções do Fernando Santos dominavam o "prime-time" da viagem.
Quando não se falava de futebol, era do tempo. Alguém disse :
- "Vamos ganhar. Até S.Pedro ajudou no tempo. Está Sol e faz calor".
Realmente. A travessia do Alentejo e o Sol em plena tarde apertam.
- Olhe, se faz favor, ligue o ar condicionado.
- Anh?
- Não têm?
Há nos autocarros uns pequenos martelos que servem para partir os vidros em caso de acidente. Juro que procurei um.
Mas o que é que podia fazer?
Nada. Aguenta.
Já na A1, resolveram fazer uma paragem.
Ao chegar à área de serviço, ao passar em frente a adeptos que já lá estavam, reparei como alguns olhavam para nós.
Exactamente da mesma forma que Eu, noutras alturas, olhei.
Naquela altura, o Jogo já não era a minha única preocupação: o regresso preocupava-me.
Comprei uma água e seguimos caminho.
Entrada de Lisboa.
Quando achas que tudo vai mal, há sempre algo que te mostra que ainda pode ser pior.
Apesar da falta de ar condicionado, o facto de o veiculo se movimentar, faz com que pelo menos entre Ar. Ora como é hábito, ás 6 da tarde a 2ª circular têm um trânsito infernal.
Um dos meus filmes favoritos é " A Lista de Schindler". Nesse filme, a certa altura, centenas de judeus são colocados em vagões e Óscar Schindler rega os vagões com uma mangueira, para que os Judeus se refresquem.
Parado na 2ª circular, com o sentido de humor de uma hiena, tapado pelo casaco do homem da frente, sem água e com a testa colada ao vidro, obviamente pensei : " - Se fosses à merda , Schindler".
Catedral à vista
Deus existe. Vejo o estádio da Luz.
Esboço um sorriso.
Agora o condutor deixa-nos perto da estádio e vai estacionar o autocarro.
- Não?
- Ele também vai ao jogo e assim ficamos todos juntos.
- Mau. Acontece que esta merda é um autocarro e a esta hora não há lugar para uma bicicleta quanto mais para um autocarro. Porque é que temos todos que morrer de calor quando o homem se podia desenrascar muito bem sozinho? Já ficávamos aqui.
- Óh homem, saímos todos juntos até porque temos aqui lanche.
- Temos quê? Mas que lanche?
- Pasteis de bacalhau, vinho e mais algumas coisas.
Não vi razão para ter que maltratar alguém. Esperei pacientemente que estacionasse "aquilo" e fui-me embora, sem lanche claro.
Claro que demoraram tanto a estacionar que não me restava muito tempo para cumprir a série de rituais que tanto gosto de fazer cada vez que vou à Catedral.
Estava o nosso grupo reunido e vamos entrar. Vamos ver o Benfica.
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Acabou o jogo e fico sentado no meu lugar a olhar para um palerma que decidiu dividir com vários outros palermas uma merda de um guardanapo para acenar ao Fernando Santos.
Fiquei ali uns minutos.
É bonito o meu estádio. Sinto-me bem lá. Adoro aquela paz.
Na verdade, estava a ganhar forças para a viagem de regresso.
Tenho uma fome descomunal.
- Vamos ter todos ao autocarro e já combinamos o que vamos fazer
- Ok. ( que remédio )
Lá estávamos todos outra vez. Por meio de insultos ao Fernando Santos, confesso que naquela altura a minha preocupação era o regresso e a fome que tinha. Como o ambiente estava pesado resolvi alegrar o momento.
- Bem, vamo-nos vingar no prato. Uma refeição quente. Onde é que jantamos?
- Jantar? Temos aqui o lanche e se vamos todos jantar, a que horas acha que vamos chegar?
- ….. !
Ok, comi dois pasteis de bacalhau e tive que cortar presunto. Mas a refeição quente não me saiu da cabeça.
Entramos no autocarro.
Aos empurrões, entrei de forma a sentar-me primeiro que o homem da frente, o tal do casaco. Assim, quando ele chegou eu estava debruçado no encosto da cadeira dele o que não lhe permitiu colocar lá o casaco.
- YESSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS. 1-0
… ou melhor 1 – 15.
Pouco depois de ter-mos arrancado, resolveram que devíamos parar em Aveiras.
Boa ideia. Prato quente, finalmente.
Coloquei-me na fila do restaurante ( self-service) , onde estavam a servir uma carne assada, fumegante com arroz solto e brócolos. Que maravilha.
Quase a chegar a minha vez de ser servido, uma cabra repara em mim:
- Olhe lá, o senhor faz parte da excursão?
- Que excursão?
- É que estes senhores estão aqui à espera há mais de uma hora e encomendaram as refeições para eles. O senhor não pode chegar aqui e comer uma refeição que não foi encomendada por si.
- Oi?
- Não ouviu? Pode comer o que faz parte do buffet.
- Qual buffet? Os pasteis com ar de terem 15 dias e as sandes de panados?
- Não gosta, não come.
- Pois não, não como. Você deve ser lagarta, com essa simpatia.
- Estes gajos das claques. Deviam ser proibidas.
- Qual claque?
- SEGUINTE!
Amuado, fui à área de serviço e comprei uma 7Up e um Magnum. Não era bem a ideia que tinha de refeição quente, mas também já não tinha grande apetite.
De volta ao autocarro, restava-me tentar dormir até casa. Tarefa complicada com um banco a 90º.
Ainda assim, encostei a cabeça ao vidro e fechei os olhos … até que ….
“…não sei quê PUMP IT UP, YOU GOT TO PUMP IT UP …”
“- Óh Xôr Condutor, podia baixar a música sff?”
Tinha a música tão “baixa” quem nem me ouviu. Passado uns tempos lá baixou, mas não o suficiente para que não desse conta que o CD estava em repeat e os próximos 300 e tal kilometros iam ser feitos ao som do “Dance Power”.
Apesar de ter ganho a batalha “do casaco do homem”, perdi a batalha da “coluna de som por cima da minha cabeça”. Cada batida soava a uma martelada, mesmo assim adormeci.
Adormeci, mas pararam logo na estação de serviço seguinte. Para abastecer o autocarro.
Nem me atrevi a perguntar porque raios não o fizeram na estação de serviço anterior.
Aproveitei para ir comer mais qualquer coisa. Um sumo, uma água e um pacote de bolachas.
- Têm cartão de pontos?
- Não. Mas não meti combustível, é só isto.
- Não quer cartão pontos?
- Não. Só quero pagar isto.
- Só têm que preencher isto e dentro de dias recebe em sua casa ….
- Não obrigado. Só quero pagar e ir para o autocarro.
- Ahhh, é de uma excursão? Ahh …
- ….!
De volta ao autocarro, com sono e ainda a pensar na refeição quente que não tive.
Entrada triunfal no Autocarro, primeiro passo : “…não sei quê PUMP IT UP, YOU GOT TO PUMP IT UP …”
Lá fui para o meu lugar onde o homem da frente não tinha perdido tempo e tinha recolocado o seu belo casaco a cheirar a naftalina nas costas do assento.
Rendido, vencido, agastado, cansado, acabei por adormecer perto de Abrantes a cerca de 180 km de casa.
O autocarro estacionou ás 03:00h.
Fui para casa com a nítida sensação que a derrota do Benfica foi um mal menor.
À porta de casa reparei que tinha apenas 3 horas para dormir, melhor ainda, reparei que não tinha chaves.
Lindo.
Bem-vindo a casa.
7 Comentários:
Aqui está um relato brilhante do que é uma "familia" Benfiquista, daquelas que nascem em qualquer lado quando o clube joga. Dissertei muitas vezes sobre estas "familias" e sempre pensei que, ao escrever, tinha a influencia da minha veia azul e branca. Afinal nao! É mesmo assim! Nada melhor que um benfiquista para mostrar a realidade vivida dentro do seu proprio clube!
Qualquer dia vou ver o FCP a jogar no autocarro dos Super Dragoes. Acho que vou adorar!
Meu caro. Vamos por partes.
1 - acho que me cruzei com o teu autocarro na A1, mas em caminho contrário. Creio que ouvi os teus gritos de dor inconfundíveis.
2 - Já sabes, farnel. Ah, a estação da Mealhada é muito melhor em termos de comida, tem um aspecto quase chique ;)
3 - O Fernando Santos já bazava.
4 - É preciso um lobby para tirar metade dos cronistas dos jornais que por aí andam e meter lá vossa excelência. Esta porra está genial.
5 - Agora vou ouvir um bocado de Danzel - Pump it Up. Dedicada ao senhor do autocarro ;)
Abraço.
Hugo | Querer estar sozinho não é um crime. | http://homoinvictus.blogspot.com diz:
eu so nao rio às gargalhadas por respeito a quem ja dorme
Hugo | Querer estar sozinho não é um crime. | http://homoinvictus.blogspot.com diz:
senao
Hugo | Querer estar sozinho não é um crime. | http://homoinvictus.blogspot.com diz:
tipo
Hugo | Querer estar sozinho não é um crime. | http://homoinvictus.blogspot.com diz:
ROTFL
Alguém me dá o telefone do Sr do Autocarro?
Já estou a ver o ZeoX a curtir à parva, de braços no ar:
Pump it Up Pump it Up Pump it Up Pump it Up Pump it Up Pump it Up Pump it Up Pump it Up Pump it Up
Deviam ter mais respeito por quem sofre.
Miseráveis. :P
Ainda bem que diz benfica logo no inicio, ja nem me dou ao trabalho de ler o resto, sei de antemão que deve estar desprovido de interesse...
:P
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