Alberto
Não tenho pensado em ti tanto com se calhar devia, sabes... em pouco tempo vai fazer seis anos que partiste e deixaste aquela casa mais sombria, menos viva com o som da tua voz a rabujar. Há coisas que em determinado tempo nos parecem insuportáveis, agressivas, mas a verdade é que nos habituamos a elas e nos fazem uma estranha falta quando sabemos que nunca mais as podemos ter.
Ah, as memórias... lembro-me de quando era miúdo, muito miúdo ainda, ir ter contigo à oficina do Sanatório, onde me recordo de ti de macaco azul, salpicado de tinta um pouco por todo o lado, a fazer já nem sei eu bem o quê. Lembro-me que havia metal... e faíscas... e pouco mais. Já lá vai muito tempo, mesmo...
São talvez as únicas memórias que tenho de te ver a trabalhar, todas as outras se resumem a longos e repetidos momentos, sentado na tua mesa do canto a ouvir rádio. Invariavelmente, esperavas que te saísse a sorte grande num jogo que ouvias com atenção, todos os dias, mecanicamente, apontavas a quantia que era dita na esperança que o telefone tocasse e desse uma pequena alegria... ela nunca chegou, pois não? Mas nunca deixaste de tentar e acreditar...
E o futebol? Adoravas futebol... vibravas, regateavas, empolgavas-te... e se as coisas não corriam de feição, ninguém se podia aproximar daquela mesa onde quase habitavas. A rádio era a tua companhia, os relatos a tua oração, fosse da extinta Desportiva na Altitude ou do teu Benfica do coração, ninguém te tirava dali enquanto os noventa minutos não acabassem. Conseguiste pegar-me o teu benfiquismo desde muito cedo, compravas todo o tipo de quinquilharia e livros do clube, tinhas quadros das saudosas equipas de 60 pendurados aqui e ali... quando não dava por ela, já eu sabia, ainda em tenra idade, quase todos os maiores jogadores que tinham passado pelo Glorioso de há uns 30 anos para cá... ironia do destino, partiste sem ver uma última vez o nosso clube campeão. Se calhar, fartaste-te da espera, e ainda tinhas muito que esperar... até agora continuamos em jejum, mas talvez seja este ano, quem sabe.
Se não estavas agarrado ao futebol, estava-lo às cartas. Contigo aprendi a jogar as minhas primeiras partidas de bisca e sueca, em volta da mesa quadrada em madeira da sala. Queria sempre ficar contigo, porque sabia que eras o melhor e podia aprender muito, nem que fosse algo tão banal como jogar às cartas. Mas eram os nossos momentos, partilhávamos tardes e noites assim numa estranha cumplicidade sem palavras. As cartas falavam por nós.
Diziam que tinhas a mão pesada. Voz grossa, é verdade, ouvi-a muitas vezes... mas nunca senti o peso da tua mão. Nunca me terá feito falta? Ou por trás da tua aparente dureza e impetuosidade residia um coração mole? Acho que nunca o vou saber agora.
Não sou um homem de fé ou religião, por isso nunca te fui visitar ao lugar onde agora a tua casca vazia repousa. Talvez por isso mesmo, nunca senti necessidade de lá ir, olhar para uma pedra cinzentona e saber que apesar do que digam, não estás ali. Quando partiste, traído por algo dentro de ti, ficaste para sempre no coração das pessoas que te amam, e aí ficarás sempre. Quando quiser falar contigo, falo comigo mesmo a pensar em ti, porque sei que um pouco de ti estará sempre dentro de mim... e um dia, quando te visitar, querido avô, pegamos os dois num baralho de cartas. Quem sabe não te ganhe dessa vez.
Ah, as memórias... lembro-me de quando era miúdo, muito miúdo ainda, ir ter contigo à oficina do Sanatório, onde me recordo de ti de macaco azul, salpicado de tinta um pouco por todo o lado, a fazer já nem sei eu bem o quê. Lembro-me que havia metal... e faíscas... e pouco mais. Já lá vai muito tempo, mesmo...
São talvez as únicas memórias que tenho de te ver a trabalhar, todas as outras se resumem a longos e repetidos momentos, sentado na tua mesa do canto a ouvir rádio. Invariavelmente, esperavas que te saísse a sorte grande num jogo que ouvias com atenção, todos os dias, mecanicamente, apontavas a quantia que era dita na esperança que o telefone tocasse e desse uma pequena alegria... ela nunca chegou, pois não? Mas nunca deixaste de tentar e acreditar...
E o futebol? Adoravas futebol... vibravas, regateavas, empolgavas-te... e se as coisas não corriam de feição, ninguém se podia aproximar daquela mesa onde quase habitavas. A rádio era a tua companhia, os relatos a tua oração, fosse da extinta Desportiva na Altitude ou do teu Benfica do coração, ninguém te tirava dali enquanto os noventa minutos não acabassem. Conseguiste pegar-me o teu benfiquismo desde muito cedo, compravas todo o tipo de quinquilharia e livros do clube, tinhas quadros das saudosas equipas de 60 pendurados aqui e ali... quando não dava por ela, já eu sabia, ainda em tenra idade, quase todos os maiores jogadores que tinham passado pelo Glorioso de há uns 30 anos para cá... ironia do destino, partiste sem ver uma última vez o nosso clube campeão. Se calhar, fartaste-te da espera, e ainda tinhas muito que esperar... até agora continuamos em jejum, mas talvez seja este ano, quem sabe.
Se não estavas agarrado ao futebol, estava-lo às cartas. Contigo aprendi a jogar as minhas primeiras partidas de bisca e sueca, em volta da mesa quadrada em madeira da sala. Queria sempre ficar contigo, porque sabia que eras o melhor e podia aprender muito, nem que fosse algo tão banal como jogar às cartas. Mas eram os nossos momentos, partilhávamos tardes e noites assim numa estranha cumplicidade sem palavras. As cartas falavam por nós.
Diziam que tinhas a mão pesada. Voz grossa, é verdade, ouvi-a muitas vezes... mas nunca senti o peso da tua mão. Nunca me terá feito falta? Ou por trás da tua aparente dureza e impetuosidade residia um coração mole? Acho que nunca o vou saber agora.
Não sou um homem de fé ou religião, por isso nunca te fui visitar ao lugar onde agora a tua casca vazia repousa. Talvez por isso mesmo, nunca senti necessidade de lá ir, olhar para uma pedra cinzentona e saber que apesar do que digam, não estás ali. Quando partiste, traído por algo dentro de ti, ficaste para sempre no coração das pessoas que te amam, e aí ficarás sempre. Quando quiser falar contigo, falo comigo mesmo a pensar em ti, porque sei que um pouco de ti estará sempre dentro de mim... e um dia, quando te visitar, querido avô, pegamos os dois num baralho de cartas. Quem sabe não te ganhe dessa vez.
1 Comentários:
Sr. Alberto deixe-me prestar-lhe hoje aquela homenagem que nao pude prestar no inicio da sua ultima viagem, nomeadamente por nao ter sabido de tal triste noticia a tempo, mas de qualquer maneira, espero que o sitio para onde voce foi seja do seu agrado. Muito SLB a jogar, muitas suecadas pa bater e que espero que ja lhe tenha saido a sorte grande..
Abraços
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